Há 12 anos terminava "Alma Gêmea", um sublime mosaico de símbolos espiritualistas

 
No fim da história, Rafael e Serena seguem
 em direção à eternidade. Foto: reprodução.
Das rosas vermelhas, que já ocupam o primeiríssimo plano da cena de estreia, à epígrafe cunhada pelo ocultista Harvey Spencer Lewis, que laureia a última sequência da tramaAlma Gêmea apresentou um delicado mosaico de símbolos mágicos, esotéricos e espiritualistas. Há exatos 12 anos, o Brasil parava para acompanhar o desfecho pouco usual – os protagonistas morrem – dado a uma novela de Walcyr Carrasco, que, por ser místico, adornou sua história com belas temáticas sobrenaturais.

Ambientada na fictícia Roseiral dos anos 40 (após uma primeira fase, na década de 20), Alma Gêmea já mostrava sua carga simbólica no nome da cidade – uma alusão ao ícone máximo da narrativa: a rosa. Vermelhas, brancas e azuis, essas flores eram onipresentes ao longo da história (e fora dela também – basta lembrarmos da abertura da novela: rosas que se fundem ao som de uma conhecida canção de Fábio Júnior).

Já no início da história, Rafael (Eduardo Moscovis) cria uma nova espécie para personificar seu amor pela delicada Luna (Liliana Castro) – rosas são, desde tempos imemoriais, símbolos do amor, da pureza e da paixão. Com a trágica morte da bailarina, contudo, o botânico destrói todas as mudas, deixando apenas um único exemplar em sua estufa.

No ateliê de Luna (retratada no quadro),
Rafael e Serena
 (a reencarnação de sua antiga esposa) trocam carinhos.
Foto: reprodução.
Todavia, a rosa branca se manifestaria nos sonhos de Serena (Priscila Fantin). Nascida da união entre uma índia e um garimpeiro branco, a moça cresceu tendo visões dessa flor  que não existia na aldeia onde fora criada. O motivo para as estranhas aparições é um só: Serena é a reencarnação de Luna.

Vale sublinhar a cena em que a índia mestiça nasce: numa noite de plenilúnio, a alma da bailarina morta se transforma num corpo celeste e cruza a escuridão dos céus, caindo numa cabana feita com folhas de palmeira. Ali, ao pé de uma cachoeira, Jacira dá à luz uma menina indígena de olhos claros (herança do pai garimpeiro). Nota-se uma forte alusão à alquimia de Paracelso nesse momento mágico. Ele dizia que a alma humana é feita do mesmo material de que são feitas as estrelas – exatamente como demonstrou a sequência da morte e retorno de Luna.

Durante todo o trajeto de Serena, vemos vestígios do místico e do fantástico. Quando deixou sua terra natal, por exemplo, e partiu para a cidade grande, com sua trouxa de roupas, ela é acolhida por Terê (David Lucas) e seu inseparável companheiro, o cachorro Jolie. Ambos nos remetem à carta O Louco do Tarô de Rider Waite.

As sessões de hipnose, regressões a vidas passadas ou os espíritos obsessores que atormentavam Alexandra (Nívea Stelmann) também conferiam à trama uma dose de espiritualismo dos séculos XIX e XX. Nesses momentos da história, vimos entrar em cena uma mescla do espiritismo de Kardec com a teosofia de Helena Blavatsky e o racionalismo cristão de Luiz de Mattos.

Para encerar a jornada de Rafael e Serena – e evidentemente de toda a novela –, tivemos a morte dos dois, juntos, abraçados, como Píramo e Tisbe, como Romeu e Julieta. Em seguida, na gruta em que Serena via a rosa branca, os protagonistas têm suas faces alteradas, indicando as diversas identidades que tiveram ao longo das múltiplas existências. Não por acaso, transformam-se (novamente) em uma única estrela (metáfora da iluminação espiritual e da plenitude).

A consumação do pacto fáustico:
 Cristina consegue as jóias da prima,
mas é levada para o submundo por uma força maligna.
Foto: Telenovelas BR.
Nesse findar da narrativa, também acompanhamos a consumação do pacto fáustico de Cristina (Flávia Alessandra), a grande vilã da história. Depois de arquitetar a morte da própria prima e recorrer até mesmo aos sortilégios de uma feiticeira, a megera, que vendeu sua alma ao Diabo em troca do amor de um homem, tem sua dívida cobrada. Numa forma similar a uma salamandra (ser alquímico e cabalístico que rege o fogo), o Mal arrasta Cristina para dentro do espelho (artefato mágico e encantado, portal para tantas e tantas dimensões).

Quinze anos depois, Terê (agora Ângelo Paes Leme), o amigo de Serena, lança um romance chamado Alma Gêmea, que conta a história de sua mãe adotiva. Ao terminar o discurso, o jovem escritor deixa uma mensagem espiritual olhando em nossa direção. Em seguida, já em 2006, descobrimos que Rafael e Serena voltaram a se encontrar numa nova vida. Posteriormente, a bola com a qual brincavam se torna uma rosa vermelha. Ao lado, surge a frase de Harvey Spencer Lewis.


De modo cíclico, como a figura do Ouruboros, a novela saiu de cena unindo seus derradeiros fios aos primeiros que foram tecidos (o livro que aparece no início e no fim é uma evidência do texto coerente). Passados 12 anos de seu término, a novela ainda é lembrada como um dos melhores programas da década. Nada mais justo. Que a dramaturgia e a literatura sejam sempre apreciadas, rememoradas e discutidas. Busquemos reminiscências de espiritualidade em todos os recantos da ficção. Afinal, como anunciou Spencer Lewis: “É na experiência da vida que o homem evolui”. 

Comentários

  1. É maravilhosamente, perfeito e é uma das Novelas que Amo e não canso de assistir, jamais!!

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