A representação do sagrado feminino na canção "Ave Maria", de Schubert


Se percorremos as galerias que abrigam os livros voltados ao estudo da música erudita em grande parte das bibliotecas, pouca coisa encontraremos sobre a composição Ave Maria, de Schubert. Esse fenômeno é um infeliz paradoxo. A Ave Maria é executada mundialmente há anos; no entanto, não existem obras destinadas ao estudo dessa belíssima canção. Aliás, durante toda a sua vida, Schubert não foi amplamente reconhecido. A divulgação de sua obra ocorreu posteriormente por meio de Schumann – outro compositor fantástico. 
Detalhe de Anunciação, de Leonardo Da Vinci:
o pintor retratou o momento em que Maria é saudada pelo
anjo Gabriel - exatamente como na canção de Schubert

A produção musical de Schubert está envolta pela atmosfera mística, pelos temas religiosos e pelas figuras femininas. E quem  poderia assumir essas três características senão a figura mais fascinante do cristianismo, depois de Jesus, é claro?!

A composição de Schubert faz uma releitura de uma antiga – e conhecida – passagem dos evangelhos: a anunciação. Tão fascinante quanto a melodia é a figura tratada na canção: Maria de Nazaré.

Maria carrega uma vasta e complexa simbologia. A teologia por si só não foi capaz de estudá-la, sendo assim, unindo Antropologia, Sociologia e História, os teólogos criaram um outro ramo do conhecimento: a mariologia - ciência que tem como objeto exclusivo de estudo a Virgem. E não são apenas os católicos que têm reverência por essa figura. O Alcorão, livro sagrado dos muçulmanosé rico em referências a ela - a fascinação transmitida por essa figura transcende todas as fronteiras culturais. Toda a produção cultural ao longo desses dois últimos séculos se voltam a Maria. Dentre essas obras, a música é uma das vertentes da arte que mais tem auxiliado na propagação das virtudes marianas.

A Sacerdotisa, no Tarô de Rider White.
Um dos muitos símbolos do sagrado feminino,
e símbolo do lado introspectivo de Maria
Schubert, através de vozes  femininas, que são constantes em suas composições, transmite uma mensagem atemporal: a criança divina está prestes a nascer - ainda há esperanças. Um antigo mito que povoa as crenças mais longínquas da humanidade. Maria, da forma como é apresentada pelo compositor austríaco, evoca a imagem da Grande Mãe, a Magna Mater, a face feminina de Deus – arquétipos acolhedores presentes em todas as culturas. 

Além do aspecto maternal, Maria carrega um lado introspectivo, oculto, iniciático. Esse lado, que Schubert consegue captar de forma sutil, faz com que a  canção seduza profundamente cristãos e não-cristãos. A letra, escrita em latim, transborda espiritualidade. Sonda os recantos mais obscuros da alma. É ecumênica. É fascinante. É imortal. 

Comentários

  1. O feminino no sagrado precisa ser mais estudado. Muito obrigada pelo texto de grande sensibilidade!

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