Dos castelos de pedra às mansões de vidro: a trajetória do vampiro nas literaturas de língua inglesa


PHOENIX, ESTADO DO ARIZONA - É uma noite de junho. Uma dona de casa norte-americana (mãe de três filhos e formada em literatura inglesa) dorme.  No meio da madrugada, ela acorda. Teve um sonho. Vívido demais. Perturbador. Um jovem – belíssimo e brilhante - conversa com uma garota no meio de uma floresta úmida. Na manhã seguinte, Stephenie Meyer levantou-se e escreveu a sequência que a perturbou na noite passada. Três meses depois, tinha terminado seu primeiro romance, Crepúsculo. Além de vender oitenta milhões de exemplares em todo o mundo e ser considerado um best-seller, o livro é um reflexo do novo estereótipo assumido pelos vampiros modernos.

Antes dos impecáveis cabelos louros, do corpo musculoso e dos sentimentos quase humanos, definidos por Meyer, a figura do vampiro era – extremamente - macabra e assustadora. Um retrocesso na história da literatura universal torna nítida essa percepção. Seguir esse percurso ajudará a compreender o processo de humanização da imagem do vampiro. Há séculos, as criaturas sanguinárias povoam o imaginário das mais arcaicas civilizações. Existem entre todos os povos, retratos da personificação do Mal – simbolizados por demônios sugadores de sangue.
Além de povoar a imaginação dos escritores de todos os tempos,
os vampiros são, ainda hoje, fontes de inspiração para todas as
ramificações da arte, como nesta tela O Vampiro, de Edvard Munch


"Drácula é o melhor livro do século"
- Oscar Wilde

De todos esses retratos, o que predomina no inconsciente coletivo é a imagem do conde Drácula. A história do nobre romeno Vlad Tepes, que empalava suas vítimas na solidão de seu castelo assustador, inspirou o inglês Bram Stoker a escrever Drácula, um dos primeiros capítulos da longa e fascinante trajetória da literatura gótica/vampírica. No entanto, Stoker, não é o pioneiro. O escritor irlandês Joseph Sheridan Le Fanu concebeu um breve, porém incrível romance denominado Carmilla. A obra, escrita em 1872, além de explorar a temática do vampirismo, é, também, um marco no processo de erotização dos vampiros. No livro, as descrições sugerem uma relação homossexual entre dois personagens femininos. Eis os símbolos mais recorrentes na literatura sobre esses seres obscuros: o sangue e a sensualidade.

Esse processo de erotização tem como sua representante máxima a escritora inglesa Anne Rice, que criou o clássico Entrevista com um vampiro – obra que inspirou filmes e até músicas. Nos livros de Rice, os seres da escuridão sofreram transformações notáveis: de demônios macabros à criaturas belas, sedutoras e atraentes. Depois de Lestat – o vampiro mais famoso criado por Anne Rice – conquistar leitores na década de 90, as criaturas mórbidas pareciam ter caído no esquecimento, porém um novo capítulo estava para ser escrito na longa história da literatura vampírica.


"Crepúsculo é o melhor livro da década" 
- Amazon.com (livraria virtual)



A maçã utilizada na capa do livro é uma excelente
representação do desejo proibido e da imortalidade
Em 2008, Stephenie Meyer publicou a primeira obra de uma saga que, posteriormente, arrebataria milhares de jovens e arrecadaria milhões de reais. Os livros da série Crepúsculo contam a trajetória de uma humana, Isabela Swan, que se apaixona por um vampiro – que tem eternamente 17 anos -, Edward Cullen. Alguns leitores repudiaram os personagens, alegando que em nada se pareciam com as tradicionais figuras das narrativas vampirescas. O motivo: os vampiros criados por Meyer não se alimentavam de sangue humano. Outra razão: esses vampiros brilhavam em contato com a luz do sol. E em vez de habitarem em castelos soturnos, Edward e sua família, viviam numa luxuosa mansão de vidro.

Os vampiros estão em constante evolução, como nós, meros mortais, também estamos. Eis uma verdade. O tempo transformou os cálices de prata, os lobos e os morcegos – símbolos milenares do vampirismo – em maçãs vibrantes, tabuleiros de xadrez e canções de Debussy, elementos presentes na saga Crepúsculo. O tempo moldou personagens, criou novos desfechos e permitiu amores impossíveis entre a mocinha e o vilão. Mas o tempo, certamente, não  mudará duas coisas: o eterno fascínio que nós temos pelos vampiros, tenham eles as características que forem, e o nosso eterno desejo à imortalidade, personificado por essas criaturas – assustadoras e profundamente atraentes.


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