Dos castelos de pedra às mansões de vidro: a trajetória do vampiro nas literaturas de língua inglesa
PHOENIX, ESTADO DO ARIZONA - É uma noite de junho. Uma dona de casa norte-americana (mãe de três filhos e formada em literatura inglesa) dorme. No meio da madrugada, ela acorda. Teve um sonho. Vívido demais. Perturbador. Um jovem – belíssimo e brilhante - conversa com uma garota no meio de uma floresta úmida. Na manhã seguinte, Stephenie Meyer levantou-se e escreveu a sequência que a perturbou na noite passada. Três meses depois, tinha terminado seu primeiro romance, Crepúsculo. Além de vender oitenta milhões de exemplares em todo o mundo e ser considerado um best-seller, o livro é um reflexo do novo estereótipo assumido pelos vampiros modernos.
Antes dos impecáveis cabelos louros, do corpo musculoso e dos sentimentos quase humanos, definidos por Meyer, a figura do vampiro era – extremamente - macabra e assustadora. Um retrocesso na história da literatura universal torna nítida essa percepção. Seguir esse percurso ajudará a compreender o processo de humanização da imagem do vampiro. Há séculos, as criaturas sanguinárias povoam o imaginário das mais arcaicas civilizações. Existem entre todos os povos, retratos da personificação do Mal – simbolizados por demônios sugadores de sangue.
Além de povoar a imaginação dos escritores de todos os tempos, os vampiros são, ainda hoje, fontes de inspiração para todas as ramificações da arte, como nesta tela O Vampiro, de Edvard Munch |
"Drácula é o melhor livro do século"
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Esse processo de erotização tem como sua representante máxima a escritora inglesa Anne Rice, que criou o clássico Entrevista com um vampiro – obra que inspirou filmes e até músicas. Nos livros de Rice, os seres da escuridão sofreram transformações notáveis: de demônios macabros à criaturas belas, sedutoras e atraentes. Depois de Lestat – o vampiro mais famoso criado por Anne Rice – conquistar leitores na década de 90, as criaturas mórbidas pareciam ter caído no esquecimento, porém um novo capítulo estava para ser escrito na longa história da literatura vampírica.
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A maçã utilizada na capa do livro é uma excelente representação do desejo proibido e da imortalidade |
Em 2008, Stephenie Meyer publicou a primeira obra de uma saga que, posteriormente, arrebataria milhares de jovens e arrecadaria milhões de reais. Os livros da série Crepúsculo contam a trajetória de uma humana, Isabela Swan, que se apaixona por um vampiro – que tem eternamente 17 anos -, Edward Cullen. Alguns leitores repudiaram os personagens, alegando que em nada se pareciam com as tradicionais figuras das narrativas vampirescas. O motivo: os vampiros criados por Meyer não se alimentavam de sangue humano. Outra razão: esses vampiros brilhavam em contato com a luz do sol. E em vez de habitarem em castelos soturnos, Edward e sua família, viviam numa luxuosa mansão de vidro.
Os vampiros estão em constante evolução, como nós, meros mortais, também estamos. Eis uma verdade. O tempo transformou os cálices de prata, os lobos e os morcegos – símbolos milenares do vampirismo – em maçãs vibrantes, tabuleiros de xadrez e canções de Debussy, elementos presentes na saga Crepúsculo. O tempo moldou personagens, criou novos desfechos e permitiu amores impossíveis entre a mocinha e o vilão. Mas o tempo, certamente, não mudará duas coisas: o eterno fascínio que nós temos pelos vampiros, tenham eles as características que forem, e o nosso eterno desejo à imortalidade, personificado por essas criaturas – assustadoras e profundamente atraentes.
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