Down em mim: o retrato atemporal de um jovem deprimido

Estar para baixo. Deprimido. Pode ser adjetivo, verbo, advérbio ou preposição... É assim que a maioria dos dicionários de inglês define o vocábulo down. Cazuza – grande nome da música nacional – também se utilizou desse significado para construir uma de suas obras-primas: a canção Down em mim.  Com uma letra melancólica, o cantor brasileiro explora a realidade de alguém que sofre terrivelmente de depressão.

Cazuza, possivelmente, inspirou-se em seus próprios problemas existenciais para conceber a canção. A história narrada em Down em mim evoca o ambiente urbano, onírico e conturbado de um jovem na transição dos anos 80 para os anos 90.

Esse contexto de devaneio e devassidão perpassa toda a produção musical do artista. Down em mim sonda as profundezas da dor, recorrendo à figura de um individuo que, ao chegar ao ápice do desespero, entrega-se a uma vida inferior. Uma vida que não faz mais sentido. Uma vida que coexiste pacificamente com a dor. Uma existência indissociável do desespero. Sem esperanças e/ou expectativas.


O único subterfúgio possível é o álcool (ou a droga) - que cria outra realidade. Uma realidade particular, outro mundo, individual e solitário. Mas um mundo que se esvai quando o exagero persiste. Quando a ânsia o faz, melancolicamente, prostrar-se diante da latrina. Prostrar-se como quem busca uma redenção. Que implora. Que faz do espelho, logo acima, seu confidente. Seu exame de consciência. É o momento de confrontar a si mesmo. Estar ali, sozinho e trancado, é um ritual de introspecção; quase um sacramento. É por isso que o cantor diz: o banheiro é a igreja de todos os bêbados.

A madrugada é sempre o cenário dos mesmos dilemas. As paredes testemunham o mesmo desespero - noite após noite. Há uma confusão de sentimentos, de experiências, de emoções. A cada dia, um novo conflito existencial emerge do seu tumultuado subconsciente. Há sempre uma surpresa, um inimigo interior a ser vencido – não sei o que meu corpo abriga.

O verso as noites quentes de verão evoca o clima de desespero. No verão, o melhor programa é sair. Fazer o quilo, como diriam os antigos. O quilo acontece após o jantar. É uma forma sadia de, após a refeição, digerir os alimentos enquanto acontece um agradável passeio. No caso do personagem da canção, não há a digestão de comida. Mas de ideias nebulosas e emoções turbulentas.

E quando o sol vier socar minha cara – é uma metáfora do amanhecer: que dissipa as trevas da noite, que leva embora os delírios e traz à tona a vida como ela realmente é.  Quando a noite se vai, é hora de encarar o mundo. O mundo dos mortais e dos normais. O mundo sem graça. O mundo triste e vazio. O mundo completamente down...

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