Entre contos de inverno e sonhos de verão: uma reflexão sobre a imortalidade de Shakespeare


O século XVI foi profundamente marcado por grandes transformações. Transformações em todas as esferas. Mudanças oriundas do período renascentista – que trouxe luz à humanidade, outrora envolta pelas "trevas" da Idade Média. O homem passou a ocupar o centro das obras de arte. A figura humana jamais fora explorada de forma tão intrínseca. Os antigos mitos da Antiguidade Clássica foram revisitados. A literatura também foi transmutada pela visão humanista. É nesse contexto que emerge uma das figuras mais fascinantes de todos os tempos – William Shakespeare.

Sua biografia é complexa e incerta. Tudo o que se sabe a respeito de sua vida é que ele nasceu na Inglaterra, foi filho de um fabricante de luvas e desenvolveu interesse pelo teatro desde cedo. Embora algumas obras se empenharam em perscrutar a vida de Shakespeare antes da fama, todas elas são incompletas. E são incompletas porque a vida desse autor é tão misteriosa quanto as dos personagens de suas tragédias.

O Mago, no Tarô Shakespeariano -
 Shakespeare é tão fascinante 
que psicólogos e ocultistas
transformaram seus personagens em
 arcanos que explicam a 
trajetória do homem na Terra
Devido à sua genialidade e seu apogeu no século XIX, alguns estudiosos atribuíram a Shakespeare a mesma característica que deram a Homero e  Esopo, ou seja, a de que Shakespeare era apenas uma figura lendária. Assim, os textos supostamente escritos por ele, eram, na verdade, obras de outros escritores.

Existem, inclusive, teorias que afirmam que Shakespeare nunca existiu. Segundo os partidários dessa ideia, William Shakespeare nada mais era que um pseudônimo utilizado pela rainha Elizabeth – já que mulheres não escreviam na época. O motivo dessa afirmação é a erudição que reluz nos escritos shakespearianos, que colocam em xeque a sua autoria, pois tudo indica que ele não frequentou escolas ou universidades. Shakespeare sabia de costumes da realeza e possuía conhecimentos que somente um nobre poderia ter.

CD A Tempestade, da Legião Urbana.
Provavelmente, Renato Russo,
o líder da banda,
 inspirou-se na obra
 homônima de Shakespeare
 para conceber o disco
Shakespeare escrevia para pessoas de diversas classes sociais. Aliás, o teatro naquela época era um momento de interação – desde a troca de mercadorias à troca de ideias, como na ágora grega. Assim, sua linguagem precisava ser universal, arquetípica e acolhedora. É por isso que seus personagens são profundamente humanos.

Se observarmos mais atentamente, todos os temas da atualidade já foram discutidos por Shakespeare. O feminismo, por exemplo, tema tão recorrente na contemporaneidade, encontra ecos na personalidade de Catarina da peça A Megera Domada.

Capa de uma antiga edição de Sonetos
de Shakespeare. 
A obra, de grande densidade poética, 
tornou-se o livro favorito do artista
 brasileiro Renato Russo
Segundo os estruturalistas russos – que se empenharam em estudar os processos de construção das narrativas –, no mundo inteiro, só existem vinte e oito histórias, sendo todas as demais recombinações dessas fábulas. Em Shakespeare, encontramos todos os enredos que hoje reluzem nas telas do cinema, nas listas dos livros mais vendidos ou nas telenovelas mais prestigiadas. Toda a produção cultural da atualidade recorre aos perfis e histórias imaginados por ele. Depois de Jesus, Napoleão e do próprio Shakespeare, tem-se escrito mais a respeito de Hamlet do que a respeito de qualquer outro homem real.

Zé Alfredo (Alexandre Nero)  na telenovela Império.
 Na trama, ele forja a própria morte 
para executar um plano de vingança posteriormente. 
Esse recurso dramatúrgico foi criado por Shakespeare,
 mas é utilizado até hoje. 
Na peça Contos de Inverno, de sua autoria, 
a personagem Hermíone também finge estar morta para se vingar do marido

Fonte da imagem: www.purepeople.com.br
O vulto majestoso de William Shakespeare não se perde no alvorecer dos séculos, pois sua genialidade ultrapassa o tempo. Todas as épocas e todos os homens - de diversas idades - encontram um reflexo na produção literária desse autor. Suas histórias, concebidas na Renascença, continuam mais vivas do que nunca - como raios que resplandecem dessa verdadeira Era Iluminada. 








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