A eterna e fascinante criatura de Mary Shelley: Frankenstein, um monstro profundamente humano
Máscaras representando o personagem Frankenstein são as preferidas nas lojas de fantasias. |
BRASIL, 31 de
outubro de 2015 - Uma luz trêmula é a única claridade que ilumina o
ambiente soturno. A música que envolve o local é um misto de rock pesado com
vocais fantasmagóricos e líricos. Espalhadas por todas as partes, com velas em seus interiores, estão abóboras
– que reproduzem um sorriso macabro. Os jovens que chegam àquele ambiente estão
vestidos conforme a atmosfera do lugar – usam fantasias de vampiros, bruxas e
duendes. Entre eles, um rapaz vestido como um monstro verde, com parafusos e
cicatrizes atravessando todo o corpo, chama a atenção.
Diante de uma
fogueira, o conhecido poeta inglês Jorge Gordon Byron lê histórias sobre
fantasmas para vários intelectuais. Byron, num impulso, levanta-se e lança o
seguinte desafio: “E se cada um de nós escrevesse uma história de terror?”. Meses depois, apenas uma jovem de 19 anos cumpre o
combinado.
Talento visionário: com apenas 19 anos, Mary Shelley concebeu um dos maiores clássicos de horror de todos os tempos. |
A cena descrita no
primeiro parágrafo é fictícia, mas não é improvável. Ela serve para se referir a
uma festa de Halloween em qualquer lugar da América. A segunda descrição
é verdadeira. Ela corresponde ao momento em que Mary Shelley recebeu a fagulha
de iluminação para escrever um dos maiores clássicos da literatura universal.
Ambas as cenas mostram a evolução e utilização do personagem Frankenstein ao
longo do tempo.
Embora seja utilizado como fantasia de
Halloween ou como parceiro do Drácula e outras assombrações em filmes – e até em desenhos animados –, o personagem criado por Mary Shelley, no século 19, guarda
pouca semelhança com essas imagens caricatas que predominam em
vários veículos de comunicação.
O primeiro equívoco - amplamente difundido - é a utilização do nome "Frankenstein" para designar o personagem do
livro. Na obra, o monstro é chamado apenas de “a criatura”. Frankenstein é, na
verdade, o nome do criador do monstro. Outro equívoco é a representação do
personagem com a cor verde - a autora descreve o personagem como um ser de
coloração amarela.
Mas todas essas
divergências popularizadas pela imprensa não ofuscam a beleza da obra de Mary
Shelley. Mais que um livro de terror, Frankenstein é um repositório de reflexões
sobre nossa condição humana.
Tudo começa quando o
doutor Vitor Frankenstein resolve construir um ser humano utilizando-se de
pedaços de cadáveres. Assim, durante várias noites, Vitor percorre cemitérios, abre túmulos e rouba corpos. Numa noite de tempestade, depois de meses de trabalho, o
médico, por meio do impulso de um raio, concede vida à sua criatura.
O cientista, então,
apavorado com a obra de suas próprias mãos, despreza o monstro, que foge. No
inicio de sua existência, a criatura é dócil e tenta se aproximar dos humanos.
Mas é sempre expulso e agredido - devido à sua aparência horripilante. Por ter sido
desprezado pelo próprio criador, o monstro passa a odiá-lo e a destruir as
pessoas de sua família.
Um dia, ele resolve
dar trégua, mas quer algo em troca. Procura Vítor. Diz que quer uma companheira para si. Vítor aceita, mas recua depois – temendo que eles se
reproduzissem e acabassem com a humanidade. O monstro volta, então, a perseguir
seu criador.
Seguindo uma
estrutura epistolar, isto é, desenrolando-se por meio de cartas escritas pelos
personagens, o livro serve como ponto de partida para várias discussões. O
julgamento pela aparência. A curiosa maneira como o monstro aprende a ler e a
escrever. Os limites éticos, as possibilidades e os perigos do avanço da
Ciência.
Com um desfecho
emocionante, Frankenstein é um livro
que explora os mais profundos conflitos humanos. Por meio do monstro, com sua
aparência horripilante e solitária, refletimos sobre nosso lugar no mundo. Os
dilemas da criatura – atemporais, familiares e tão antigos – são os mesmos que
carregamos até hoje: quem somos? Quem nos criou? Estamos sozinhos? Para onde
vamos? As últimas palavras do monstro - sábias e melancólicas - encerram o sentimento de todo ser humano diante da morte. São carregadas de fascínio e tristeza. São reflexões que apenas alguém que possui uma alma profundamente humana poderia ter.
"Nunca mais verei o sol ou as estrelas, mas meu espírito dormirá em paz." Frankenstein
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