As muitas pessoas do poeta Fernando: a incrível arte de criar heterônimos
Costa Pinheiro, Fernando Pessoa - Heterônimo, 1978, óleo sobre tela. Pessoa se desdobrava em várias personalidades - como a projeção de sua sombra na imagem acima. |
Segundo alguns
estudiosos, Pessoa possuía mais de setenta heterônimos. Porém, os mais
conhecidos são Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Alberto Caeiro
é rude, simples e humilde. Álvaro de Campos é sensacionalista, entusiástico e
moderno. Ricardo Reis é clássico, conciso e abstrato. Já Pessoa “ele mesmo” é
lírico, melancólico, angustiado e transcendente.
Embora cada uma
dessas figuras esteja inserida num contexto diferente, em 1999, Samir Yazbeck
– escritor paulista e diretor de teatro – reuniu os três heterônimos numa mesma
obra. O fingidor – peça teatral
vencedora do Prêmio Shell, a maior premiação do gênero no Brasil – retrata o
próprio Fernando Pessoa disfarçado de datilógrafo, para trabalhar ao lado de um
crítico literário que escreve sobre a obra do próprio poeta português. Ao
longo da peça, os três heterônimos mais conhecidos do grande público vão
surgindo de forma espetacular.
Ainda que não sejam vistos como casos de heteronímia, o desdobramento de um ser em
vários outros - sejam eles deuses ou homens - é comum nas várias ramificações do conhecimento humano. Há quem
diga que Leonardo Da Vinci envelheceu precocemente por viver muitas vidas ao
mesmo tempo – era engenheiro, inventor, pintor, estudioso da anatomia humana...
Até mesmo as divindades possuem muitas faces, ainda que sejam tidas como
únicas. Por exemplo, os cristãos evocam a trindade – um mistério da fé, como
garante o catecismo. Não são três deuses. É apenas um. Mas tem três faces. São
três pessoas distintas. Os romanos também cultuavam Janus, o deus das portas, dos
inícios, o deus de duas faces. Os egípcios cultuavam a trindade sagrada: Ísis,
Hórus e Osíris. É evidente que essa capacidade divina de se transmutar em várias faces influenciou Pessoa.
Os
motivos que levaram Fernando Pessoa a esse projeto de arte tão grandioso, místico e
ousado têm sido objeto de estudo há anos e provavelmente ainda serão por
muitos anos. Só há uma certeza: a pluralidade é característica dos imortais. E isso Fernando
Pessoa sabia muito bem.
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