Malditas pinceladas: retratos como símbolos da morte na literatura
O que você faria se
fosse jovem para sempre? Como viveria? Quais seriam seus valores? São questões como essas, que norteiam o enredo de O Retrato de Dorian Gray – romance do
irlandês Oscar Wilde. O protagonista, Dorian, um pianista talentoso, tem o seu
rosto eternizado num retrato pintado por seu amigo – e grande admirador – Basil
Hallward. Ao receber a pintura, o rapaz fica fascinado e faz um pacto com o
destino: ao invés de seu corpo sofrer as marcas do tempo, o retrato é que será atingido.
"Eu irei ficando velho,
feio, horrível. Mas este retrato se conservará eternamente jovem. Nele, nunca
serei mais idoso do que neste dia de junho... Se fosse o contrário! Se eu
pudesse ser sempre moço, se o quadro envelhecesse!... Por isso, por esse milagre
eu daria tudo! Sim, não há no mundo o que eu não estivesse pronto a dar em
troca. Daria até a alma!"
- Dorian Gray
- Dorian Gray
Influenciado por
Lord Henry – representante legítimo do hedonismo –, o jovem pianista, seduzido
pelas promessas do amigo, entrega-se ao prazer. Comete crimes. Brinca com os
sentimentos alheios. Leva uma vida devassa por muitos anos. Mas sua aparência
permanece jovial. Dorian conserva o vigor da juventude, enquanto seu retrato é
deformado pelos seus pecados.
Contendo várias
críticas à sociedade da época – vitoriana, rígida e moralista –, O Retrato de Dorian Gray é o único
romance escrito por Oscar Wilde. A obra é, talvez, uma tentativa de Wilde de
exprimir seus sentimentos, desejos e visão de mundo – já que era homossexual e vestia-se
com extravagância (comportamentos inaceitáveis naquele contexto histórico e social).
O retrato – que dá
nome ao livro – é dotado de uma força mágica, uma ação do destino que aceita a
vontade de Dorian Gray: ser jovem enquanto seu retrato envelhece. Dessa
maneira, a pintura representando o protagonista da trama – pintura esta que foi
o motivo da morte de Basil, o pintor da tela –, torna-se um símbolo da
maldição. E retratos como objetos mórbidos não são raros nas artes.
“É por meio da arte, e somente por meio da arte, que podemos alcançar nossa perfeição.”
- Oscar Wilde
Pinturas de Giovanni Bragolin. Segundo alguns relatos, as crianças dessas telas, estão mortas, e possuir algum desses retratos - ou qualquer outro pintado por esse artista - atrai maldições. |
Giovanni Bragolin,
pintor italiano, concebeu uma série de quadros com imagens de crianças que estariam,
supostamente, mortas. Com base nisso, várias lendas começaram a circular sobre
fenômenos macabros envolvendo as pinturas.
O escritor
norte-americano Edgar Allan Poe, reconhecido por ter concebido histórias de
terror, escreveu um conto chamado O
Retrato Oval – que apresenta um jovem pintor que deseja retratar a própria
esposa numa tela. Mas se apega tanto à sua própria arte que despreza a moça.
E, assim, o desfecho da narrativa é trágico.
Voltemos a Dorian
Gray. Quando o rapaz se arrepende dos crimes e das orgias, decide destruir o retrato - o maldito objeto que modificou a sua vida.
Mas ao perfurar a tela, num golpe violento, o jovem morre. O retrato já não era somente uma pintura. O retrato era parte de Dorian. O retrato era a alma
de Dorian. Era a sua própria vida.
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