Uma autora escondida entre urzes, morros e ventos uivantes: a sensível e misteriosa alma de Emily Brontë
YORKSHIRE, INGLATERRA – É mais um
domingo frio, com céu nublado e nuvens ameaçadoras. Duas moças, quase
invisíveis diante dos morros e charnecas que se erguem na paisagem, caminham em
direção a uma antiga casa de fazenda – onde residem desde a infância. A
celebração na igreja acabou. Aliás, ir à igreja aos domingos é o único passeio
de uma dessas jovens. Ao chegar em casa, isola-se em seus aposentos. E dali não
sai até terminar seu único romance – O
Morro dos Ventos Uivantes.
Anos mais tarde, a obra – que na época
em que foi publicada, dois anos antes da morte da autora, não foi bem recebida
–, tornou-se um clássico da literatura universal. Entretanto, aqui, não vamos
refletir sobre o livro, pois muito já foi escrito sobre ele. Vamos analisar o
que está além dessa obra: a personalidade de sua misteriosa autora - Emily
Brontë.
Tímida, solitária e genial são
adjetivos que caracterizam perfeitamente essa escritora – mais uma mente
brilhante produzida pelo fecundo século XIX. Pela escrita de Emily, pela carga
dramática da história e pelo prefácio assinado por sua irmã – a também
escritora Charlotte Brontë –, na primeira edição da obra, de 1847, percebemos o
quanto Emily Brontë era uma moça retraída e antissocial. Segundo a própria
Charlotte:
“Embora seus sentimentos pelos que a cercavam fossem benevolentes, relações com eles, ela nunca procurou, nem, com poucas exceções, as experimentou. E mesmo assim ela os conhecia: sabia seus costumes, sua linguagem, a história de suas famílias (...); porém, com eles, raramente trocou uma palavra”.
A reclusão de Emily é justificada pelos
acontecimentos que permearam sua infância. Filha de um sacerdote anglicano, Emily foi
criada com bastante severidade. Sua mãe faleceu cedo, duas de suas irmãs
morreram de frio – num colégio interno para onde foram enviadas –, e seu irmão,
Branwell, era alcoólatra. Foi na infância, inclusive, que Emily e seus irmãos –
Anne, Charlotte e Branwell – mostraram interesse pela literatura, produzindo,
assim, diversos jornais e histórias sobre terras imaginárias – como Angria e Gondal.
Seus escritos revelam uma alma
solitária, que vê na morte um fascínio ou cura de alguns males. Suas poesias
descrevem paixões arrebatadoras envoltas por sentimentos de vingança. Revelam
amores impossíveis que se concretizam após a morte. Apresentam pessoas que se
encontram com espectros em ambientes noturnos, com figuras fantasmagóricas, que
têm coragem para lidar com o Além. Aliás, Emily atravessou os morros uivantes,
em direção ao Além, muito cedo. Aos 30 anos de idade, vítima de tuberculose –
doença que devastou vários intelectuais desse período –, a fascinante autora
faleceu.
Todavia, sua obra é imperecível e
continuou florescendo. O cinema, por exemplo, revisitou, posteriormente, o
enredo de O Morro dos Ventos Uivantes
diversas vezes. A produção literária de Emily Brontë, inclusive, arrebatou
leitores do século XXI. Após ser
divulgado na apreciada saga Crepúsculo como o livro favorito do casal Edward e Bella, o livro foi reeditado e alcançou
vendas extraordinárias.
Emily Brontë foi – e será por muito
tempo ainda – uma personalidade tão extraordinária quanto sua obra. Haverá
sempre o que dizer sobre sua vida, sobre seus sentimentos, sobre sua existência
silenciosa, mas tão notável. Sua partida foi apenas uma transição. Uma passagem
para o outro lado da vida. Emily continua viva, escondida do mundo que sempre a
atormentou. Hoje, neste momento, ela descansa num refúgio tranquilo. Um
refúgio que está além de Yorkshire, que está além das charnecas, das urzes do campo
e das colinas acariciadas por vendavais. Emily repousa tranquila ao lado de
Catherine e Heathcliff – em nossos corações. Neles, o tempo se encarregou
de escrever o seu único epitáfio: imortal.
Comentários
Postar um comentário