O amor que não ousa dizer seu nome: as representações da homossexualidade na literatura universal

Dorian Gray (Ben Barnes) e Basil Hallward (Ben Chaplin) 
               em cena do filme O Retrato de Dorian Gray (2009). 
             A relação dos dois é marcada por uma tragédia.
Sob a luz do sol, dois homens olham para a imensidão do mar. Toda a sequência é poética e envolta pela sinfonia nº 5, Adagietto, do compositor alemão Gustav Mahler. O autor da obra que deu origem a essa cena no cinema e na televisão também é alemão – o escritor Thomas Mann. O desfecho do livro Morte em Veneza foi decalcado para o cinema – numa adaptação de título homônimo – e para televisão, nos momentos finais da telenovela Amor à Vida. Além da mesma cena, o que essas três obras têm em comum? Retratam a homossexualidade nas diversas ramificações da arte.

Diana e Calisto, de Rubens.
A homossexualidade é recorrente na arte grega.
 Na obra de Mann, tem-se a história de um renomado escritor que durante uma viagem conhece um belo jovem, Tadzio, por quem se apaixona perdidamente. Mas a relação dos dois é construída por um fascínio, por uma admiração, por desejos que não se concretizam. Não há uma relação tão próxima entre os dois. Trata-se de um amor platônico.

Inclusive, já na Grécia antiga – conhecida por aprovar relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo –, Platão concebeu O Banquete, texto que, dentre outros temas, narra o surgimento dos andróginos. Segundo o sábio grego, quando foram separados, por desígnio dos imortais, cada um desses seres passou a buscar a sua metade perdida – que é alguém igual a si.

Marcilla (ou Carmilla) ataca uma jovem.
 Ilustração de D. H. Friston (1872).
Em A Cor Púrpura, da escritora norte-americana Alice Walker, Celie, a protagonista, após viver situações de violência e machismo, torna-se realizada ao descobrir o amor por uma mulher: a cantora Shug.

Na moralista sociedade vitoriana, na Inglaterra, a homossexualidade era tachada como crime. E é nesse contexto que surge O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Tem-se, já nas primeiras páginas, a demonstração do afeto que Basil sente por Dorian Gray. Ele visita concertos e eventos só para admirar o jovem. Essa admiração e desejo são fundamentais para a concepção do retrato que permeia toda a obra. A pintura é a personificação da atração de Basil por Dorian. Esse sentimento entre os dois homens – que guarda semelhanças com a vida do próprio Wilde – é chamado por ele de “o amor que não ousa dizer seu nome”. Se essa relação homoerótica é sutil nas páginas do romance, nas telas do cinema ela é explícita. Na adaptação de Oliver Parker (de 2009), o pintor e o jovem pianista declaram abertamente seus sentimentos. Mas a relação entre os dois é voluptuosa, voraz, sanguinária.

Capa do álbum V, da Legião Urbana.
 A faixa 7, Vento no litoral, é dedicada 
a um rapaz estadunidense que foi
 namorado do vocalista. 
A homossexualidade também 
está presente na arte brasileira.
Também sanguinária – literalmente – é a relação entre as personagens da novela gótica do irlandês Joseph Sheridan Le Fanu, Carmilla. A obra, que influenciou os escritores de histórias de vampiros – como Bram Stoker, autor de Drácula –, narra a misteriosa relação entre Laura e Carmilla, uma vampira que só ataca mulheres.

Aliás, os vampiros estão sempre ligados ao erotismo. Nas obras da escritora inglesa Anne Rice – em Entrevista com um vampiro, por exemplo –, há sempre situações homoeróticas dissolvidas no enredo. Vide a relação entre Louis e Lestat.

Com maior ou menor constância, de forma voraz ou sensível, personagens homossexuais aparecem na literatura universal. Aliás, a literatura é uma das artes que – de forma sutil e delicada – mais propaga o amor entre iguais. O amor incompreendido. O amor transcendente. O amor que não ousa dizer seu próprio nome. 

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