A eterna sedução de "Lolita"
Uma
ninfeta desperta os desejos de um homem mais velho. Os dois se envolvem. Surgem,
então, conflitos com desfechos inesperados. É possível que você já tenha visto
essa premissa no cinema ou na televisão. São várias as obras que decalcaram esse
enredo de um dos romances mais escandalosos do século 20 – Lolita, escrito pelo russo Vladimir Nabokov. Aliás, o próprio
vocábulo “ninfeta” – que atualmente faz parte de qualquer dicionário – foi
cunhado, em 1955, por Nabokov.
Em
aproximadamente 300 páginas, Lolita
narra a atração de Humbert, um homem de meia-idade, professor e europeu, por
uma agitada pré-adolescente americana – Dolores. Apesar da temática erótica, a
trama é conduzida de forma que o leitor se encarregue de conceber as cenas – já
que não há descrições explícitas de relações sexuais na obra.
O
elemento que faz a obra de Nabokov transcender a trivialidade dos demais textos
eróticos é a abordagem da pedofilia – tema muito pouco explorado em obras literárias.
É exatamente a menção a esse comportamento que retarda a publicação do romance.
Somente após percorrer um longo itinerário de rejeição nas editoras
estadunidenses, a obra Lolita é
publicada, numa tiragem de 5 mil exemplares, pela Olympia Press – editora
francesa conhecida pela produção de obras com conotações sexuais.
Todavia,
mesmo após a publicação, o livro recebeu numerosas críticas e até denúncias –
tanto é que, por ordem judicial, todas as cópias do livro foram recolhidas na
França e na Inglaterra. Corria o ano de
1956. Durante dois anos, a obra foi exilada do grande público, sendo acusada de
corromper a moral e os costumes das famílias.
O
sucesso de Lolita – sempre atrelado
ao escândalo – veio em 1958, quando, nos Estados Unidos, só nas três primeiras
semanas de lançamento, 100 mil exemplares foram vendidos. Posteriormente, o
cinema e a televisão também evocaram, em suas produções, a trama insólita de
Nabokov.
No
Brasil, por exemplo, a personagem de Nabokov arrebatou diversos autores – basta
que nomes como Mário Donato, Manoel Carlos, Nelson Rodrigues e Walcyr Carrasco sejam lembrados.
Donato publicou, na longínqua década de 40, o romance Presença de Anita – que, mais de 50 anos depois, serviria de
inspiração para a minissérie homônima de Manoel Carlos.
Apesar
de diversas mudanças, as tramas de ambas as obras possuem algo em comum: uma
personagem muito parecida com a criação de Nabokov. Anita – nas duas produções
– é uma jovem que personifica as idealizações de um homem mais velho.
Arrebatados por uma paixão avassaladora, as personagens caminham para um
desfecho perturbador.
Também
perturbador foi o fim de Verdades
Secretas – telenovela escrita por Walcyr Carrasco. Com claras referências a
um tipo comum nas peças de Nelson Rodrigues – a ninfeta –, o mote da trama de
Carrasco aludia nitidamente ao texto de Nabokov: um homem que se envolve com a
sua enteada.
Em
tempos mais recuados, a mulher já era vista como um ser antagônico: ora
angelical, ora lascivo. Na poesia ultrarromântica – vide A Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo – e ainda mais distante, na mitologia grega,
só para citar alguns poucos exemplos, o caráter sedutor e ingênuo da mulher já
era acentuado. No entanto, é somente com Lolita
que a representação artística da pedofilia ganha destaque dentro da literatura
universal. Mesmo no século 21, Lolita continua
tendo um frescor surpreendente – capaz de seduzir o grande público. A
obra-prima de Nabokov continuará sendo – por muito tempo – uma leitura
(literalmente) bastante excitante.
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