A eterna sedução de "Lolita"

Uma ninfeta desperta os desejos de um homem mais velho. Os dois se envolvem. Surgem, então, conflitos com desfechos inesperados. É possível que você já tenha visto essa premissa no cinema ou na televisão. São várias as obras que decalcaram esse enredo de um dos romances mais escandalosos do século 20 – Lolita, escrito pelo russo Vladimir Nabokov. Aliás, o próprio vocábulo “ninfeta” – que atualmente faz parte de qualquer dicionário – foi cunhado, em 1955, por Nabokov.

Anita (Mel Lisboa) e Nando (José Meyer).
A personagem da minissérie de Manoel
Carlos - livremente inspirada no romance homônimo de Mário
 Donato - possuía diversas características criadas por Nabokov.
Fonte da imagem: Gshow.
Em aproximadamente 300 páginas, Lolita narra a atração de Humbert, um homem de meia-idade, professor e europeu, por uma agitada pré-adolescente americana – Dolores. Apesar da temática erótica, a trama é conduzida de forma que o leitor se encarregue de conceber as cenas – já que não há descrições explícitas de relações sexuais na obra.

O elemento que faz a obra de Nabokov transcender a trivialidade dos demais textos eróticos é a abordagem da pedofilia – tema muito pouco explorado em obras literárias. É exatamente a menção a esse comportamento que retarda a publicação do romance. Somente após percorrer um longo itinerário de rejeição nas editoras estadunidenses, a obra Lolita é publicada, numa tiragem de 5 mil exemplares, pela Olympia Press – editora francesa conhecida pela produção de obras com conotações sexuais.

Todavia, mesmo após a publicação, o livro recebeu numerosas críticas e até denúncias – tanto é que, por ordem judicial, todas as cópias do livro foram recolhidas na França e na Inglaterra.  Corria o ano de 1956. Durante dois anos, a obra foi exilada do grande público, sendo acusada de corromper a moral e os costumes das famílias.

O sucesso de Lolita – sempre atrelado ao escândalo – veio em 1958, quando, nos Estados Unidos, só nas três primeiras semanas de lançamento, 100 mil exemplares foram vendidos. Posteriormente, o cinema e a televisão também evocaram, em suas produções, a trama insólita de Nabokov.

Obcecado pela bela e jovem Angel (Camila Queiroz),
Alex (Rodrigo Lombardi) seduz Carolina (Drica Moraes),
a mãe da garota - apenas para se aproximar da enteada.
Exibida em 2015, Verdades Secretas,
telenovela de Walcyr Carrasco, prova que o
mote de Lolita, de Nabokov, é atual.
Fonte da imagem: Extra Online.
No Brasil, por exemplo, a personagem de Nabokov arrebatou diversos autores – basta que nomes como Mário Donato, Manoel Carlos, Nelson Rodrigues e Walcyr Carrasco sejam lembrados. Donato publicou, na longínqua década de 40, o romance Presença de Anita – que, mais de 50 anos depois, serviria de inspiração para a minissérie homônima de Manoel Carlos.

Apesar de diversas mudanças, as tramas de ambas as obras possuem algo em comum: uma personagem muito parecida com a criação de Nabokov. Anita – nas duas produções – é uma jovem que personifica as idealizações de um homem mais velho. Arrebatados por uma paixão avassaladora, as personagens caminham para um desfecho perturbador.

Aos 12 anos, Anita (Mel Lisboa) foi pintada nua.
Além de se envolver com Nando, aos 18 anos,
a relação de Anita com Armando (o pintor) também faz
referência - de maneira ainda mais
 parecida - ao romance de Nabokov.
Fonte da imagem: Rua Maria Alzei.
Também perturbador foi o fim de Verdades Secretas – telenovela escrita por Walcyr Carrasco. Com claras referências a um tipo comum nas peças de Nelson Rodrigues – a ninfeta –, o mote da trama de Carrasco aludia nitidamente ao texto de Nabokov: um homem que se envolve com a sua enteada.



Em tempos mais recuados, a mulher já era vista como um ser antagônico: ora angelical, ora lascivo. Na poesia ultrarromântica – vide A Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo – e ainda mais distante, na mitologia grega, só para citar alguns poucos exemplos, o caráter sedutor e ingênuo da mulher já era acentuado. No entanto, é somente com Lolita que a representação artística da pedofilia ganha destaque dentro da literatura universal. Mesmo no século 21, Lolita continua tendo um frescor surpreendente – capaz de seduzir o grande público. A obra-prima de Nabokov continuará sendo – por muito tempo – uma leitura (literalmente) bastante excitante. 

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