Evanescence: música clássica e literatura romântica inglesa em forma de rock

Quando ainda era muito jovem, Amy Lee sonhava em se tornar uma compositora de música clássica – sua composição favorita era o Réquiem, de Mozart. O tempo passou. Amy Lee não se enveredou diretamente pelos caminhos da música erudita. Mas, em 1995, após conhecer o guitarrista Ben Moody e formar uma banda de rock – Evanescence – que alcançaria extraordinário sucesso no mundo inteiro, Lee, que, além de cantora, também é versada nos mistérios da composição, retomou suas referências culturais do passado. Assim, Evanescence é, desde a sua origem, uma agradável conjunção de rock, música clássica e literatura romântica inglesa.
The Open Door: uma união de elementos românticos e eruditos.
A porta carrega a simbologia da transição para outro mundo.
Além disso, nota-se que a jovem caminha em direção
ao céu escuro, uma metáfora da morte e do
desconhecido - temas comuns no Romantismo.

 Já no primeiro EP da banda, além das letras melancólicas, as referências à arte romântica são notórias. A capa, por exemplo, apresenta a imagem de uma conhecida estátua – Angel of Grief – do escultor norte-americano William Story.

A evocação à música erudita – bastante evidente em Lacrymosa (do álbum The Open Door), que incorpora um trecho da canção homônima de Mozart – e ao Romantismo também seria constante a partir de então.

Uma das características marcantes dos escritores ingleses do século 19 – a crença de que os fenômenos da natureza se adequavam aos seus sentimentos – fica evidente em diversas composições da banda. Em Hello (do álbum Fallen), escrita para a falecida irmã de Amy, tem-se a evocação do dia triste e das nuvens chuvosas (que “vêm para brincar”) como uma extensão dos sentimentos da cantora. A letra poética de Listen to the rain também apresenta a chuva como uma portadora de histórias e como uma metáfora da efemeridade da vida.

Antiga edição de O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë.
A atmosfera sombria e melancólica da obra também
está presente nas canções da banda Evanescence.
Em uma das canções mais conhecidas do grupo – My Immortal –, é notável a presença de elementos oriundos da literatura romântica: duas pessoas são separadas pela morte e vivem em meio a lembranças. O desejo de ser assombrado e não se desligar do outro, mesmo após a morte, também é representado em Even Death e em Like You – esta última, novamente, uma referência à morte da irmã de Amy Lee. Nas letras dessas canções, pululam diversas influências da obra de Emily Brontë – tanto dos poemas quanto do seu único romance. Emily Brontë evoca a mesma atmosfera sombria e melancólica das canções. Os ecos de O Morro dos Ventos Uivantes, clássico do Romantismo inglês, ressoam em versos como estes: “Mesmo na morte nosso amor vai continuar” (Even Death) e em “Seu rosto assombra meus únicos sonhos agradáveis” (My Immortal) ou, ainda, em “Sem uma alma, o meu espírito agora dorme em algum lugar frio” (Bring Me to Life).

Referências a Shakespeare emergem de Going Under e Lithium: apesar do tom assustador, é impossível não associar as imagens de Amy afundando (no videoclipe) e do refrão – “Eu estou afundando por você” – com a personagem Ofélia da obra Hamlet.

Ressurreição, de William Blake.
Figuras etéreas e místicas - típicas do
Romantismo - também são evocadas
pelas composições da banda.
Embora não seja oriundo do período romântico – sua origem reporta a tempos muito mais longínquos –, o conto de fadas Chapeuzinho Vermelho também é utilizado pela banda como referência. No videoclipe oficial de Call Me When You’re Sober, nota-se a presença de elementos do Romantismo europeu (como o final feliz dos personagens e os elementos utilizados em cena). Vale lembrar que é nessa escola literária que a história de Chapeuzinho Vermelho ganha contornos mais otimistas e um desfecho mais feliz – exatamente como o videoclipe sugere.


Certamente, as letras do grupo Evanescence evocam múltiplos temas e sentimentos. Mas a melancolia e a atmosfera etérea, mística, sobrenatural e sublime – embaladas pelas belas, antigas e sempre fascinantes referências ao Romantismo e à música erudita – são os maiores destaques da banda. As indagações sobre o fim da vida, sobre a condição do homem após a morte e a dor da perda – especulações profundamente românticas e tão presentes nas composições do Evanescence – conferem ao grupo uma sonoridade e uma estética ímpares: ouvi-lo é como mergulhar nas páginas deslumbrantes de um romance inglês ou apreciar uma agradável sinfonia sobre a alma humana.

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