“A Noiva Cadáver” e o fascinante universo gótico de Tim Burton

Responsável por sucessos como Edward Mãos de Tesoura, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet e Alice no País das Maravilhas, Tim Burton é um dos cineastas mais notáveis da atualidade. Além da parceria com o ator Johnny Deep, o diretor norte-americano mantém uma estreita e bem-sucedida  relação com um ingrediente fundamental para o sucesso de suas produções – o universo gótico.

Emily, a noiva-cadáver. 
Das tesouras de Edward às navalhas de Todd, as obras de Burton estão permeadas de elementos obscuros, vitorianos e ultrarromânticos. Oscilando entre a beleza e a loucura, entre o real e o imaginário, entre a vida e a morte, seus personagens estão cheios de reminiscências de histórias longínquas de diversas culturas, que Burton revisita, reinterpreta e, com sua ótima carpintaria, traz de volta para assombrar – e encantar – o público. Um exemplo disso é o filme A Noiva Cadáver.

Cheia de ecos de lendas judaicas, russas e inglesas, a trama de Emily (uma referência a Emily Brontë?) está imersa em um ambiente profundamente soturno – a Inglaterra dos tempos vitorianos, o período que os góticos mais gostam. Os nomes dos personagens Victor e Victoria também aludem a esse tempo. E é por meio desse casal que o enredo de Corpse Bride (título original do filme) vai sendo desenovelado. 

O Rapto de Proserpina, de Luca Giordano.
A união entre vivos e mortos é um tema bastante
 explorado pela arte e pela mitologia ao longo do tempo.
A simples premissa da história – um noivo tímido que ensaia o pedido de casamento de sua amada mas, por um mal entendido, une-se, sem querer, a uma jovem morta – está salpicada de elementos do mito grego O rapto de Proserpina. Da mesma forma que Hades leva Proserpina, a filha da deusa Deméter, para o submundo, Emily, a noiva-cadáver, conduz Victor para a morada dos mortos.

No entanto, apesar da temática mórbida, o filme é apresentado por meio de técnicas de animação e abre espaço para momentos musicais e engraçados. Até mesmo figuras sinistras como esqueletos e caveiras – comumente associados à morte – podem ser vistos, no filme, como símbolos da transformação e da mudança de vida. E, de fato, ao fim da história, que tem um desfecho melodramático – típico das narrativas góticas –, Emily e os demais personagens têm seus destinos alterados.

Malvina (Marina Ruy Barbosa) é uma noiva que,
assim como a personagem do filme
 de Burton, volta à vida em Amorteamo.
Fonte da imagem: extra.globo.com
Embora o argumento de A Noiva Cadáver evoque, primordialmente, lendas inglesas, russas e judaicas, o filme de Burton dialoga com diversas obras escritas em língua portuguesa – tanto histórias anteriores quanto posteriores à concepção do enredo. O Noivado do Sepulcro, poema escrito pelo português Soares de Passos, guarda semelhanças com a vida de Emily. Tem-se, também, no conto Solfieri, publicado no livro Noite na Taverna, do ultrarromântico brasileiro Álvares de Azevedo, uma situação parecida: um jovem mantém um enlace com uma defunta. Na teledramaturgia brasileira, que sempre bebe nas tramas da literatura e do cinema, observa-se uma noiva-cadáver também em Amorteamo, série ambientada em Recife e da qual pululam zumbis e histórias de amor marcadas pela morte. Em Sete Ossos e Uma Maldição, livro da escritora carioca Rosa Amanda Strausz, nota-se uma premissa semelhante em um dos textos: após ter seu túmulo violado e sua aliança roubada por um grupo de garotos, uma noiva morta ressurge do túmulo para clamar: "Devolva o anel" - frase que dá nome ao conto. 

Digressões à parte, a obra de Tim Burton é marcada, evidentemente, pelo gótico e fantasioso, mas, acima de tudo, é notável pela produção esmerada. Esmero este que faz com que histórias infantis, lendas antiquíssimas e temas arrepiantes sejam tratados com delicadeza, leves pitadas de humor e muitas, muitas referências culturais.

 

Comentários

  1. Olá tudo bem? Estou fazendo um trabalho de escola sobre a arte gótica, e gostaria de perguntar se posso repostar no nosso insta de trabalho @goticanaoehemo como curiosidade, de modo mais resumido e com ctz com os créditos?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

"O pequeno príncipe" e as metáforas bíblicas da morte

“Clarisse”, a mais bela apologia à dor feita pelo rock nacional

Há 12 anos terminava "Alma Gêmea", um sublime mosaico de símbolos espiritualistas