"Led Zeppelin IV": uma escada mágica para o Paraíso

Numa sala obscura, com poucos vestígios de luz, um ancião de cabelos compridos e barba longa está debruçado sobre antigas inscrições impressas num enorme papel amarelado. Seus olhos só conseguem distinguir os sinais ali grafados – signos do zodíaco, planetas e hieróglifos egípcios – pela iluminação bruxuleante de velas queimadas até a metade. Em cima da mesa, caveiras, livros corroídos pelo bolor dos séculos e frascos de curiosos formatos. Um cheiro de mercúrio impregna todo o ar. Mas o alquimista nem sente – está concentrado em transcrever os sinais desenhados no antigo pergaminho para um volumoso caderno de anotações. Como tantos outros habitantes daquele tempo, Gerolamo Cardamo sabe que os símbolos carregam um poder descomunal e que podem ser usados no projeto que lhe ocupou toda a vida – descobrir o segredo da imortalidade.

Parte interna do disco Led Zeppelin IV:
um manancial de símbolos mágicos.
Corre o ano de 1970. Um homem cruza a fria Rua Kensington High, em Londres. Para por um instante e observa a enorme placa afixada na fachada do edifício: The Equinox Booksellers and Publishers. Mesmo encantado pelo nome, uma alusão à revista homônima criada por Aleister Crowley, ele sai de seu transe, abre a porta e se tranca por algumas horas. Embora o local seja uma livraria, ele quer ficar sozinho. Acomoda-se numa cadeira e apanha um disco em cima de uma estante. Seus olhos se detêm longamente sobre o símbolo gravado ali – ZoSo, a mesma ilustração concebida pelo alquimista Gerolamo Cardano. Sua banda é realmente um sucesso. Inclusive, pela conturbada agenda de shows, a livraria ocultista fundada por ele teve de fechar. Tornou-se um lugar de exílio e reflexão. O Led Zeppelin estava tomando muito tempo. O talento de seus integrantes e a presença daquele símbolo mágico formaram uma mistura capaz de conquistar aquilo que os alquimistas tanto buscavam – a plenitude e a longevidade.

Séculos e séculos separam Jimmy Page e o autor do livro Ars Magica Arteficii,escrito em 1557. Contudo, o símbolo do planeta Saturno, conhecido como ZoSo, une esses dois personagens em torno de um interesse em comum – o ocultismo.

Além da evocação aos estudos de Cardano, Jimmy Page – o conhecido guitarista do Led Zeppelin – imprimiu referências ao mago Aleister Crowley em várias capas e letras de discos do grupo de rock inglês. Todavia, o álbum mais carregado de símbolos e mistérios é o quarto disco da banda.

O fato de a obra não ter nome já é o primeiro elemento que perturba os aficcionados pelo esoterismo. Numa escolha inteligente, Page e seus companheiros utilizaram somente sinais místicos para criar a identidade visual do álbum. Runas, Disco sem nome, Disco dos símbolos e ZoSo são alguns dos nomes que os fãs usam para designar o disco.

No Tarô de Rider Waite, O Eremita simboliza o exílio
e o encontro com a nossa própria essência.
 O autor desse baralho foi membro da
 Aurora Dourada, ordem que
Crowley também participava .
Embora ZoSo seja o sinal mais evidente, outros símbolos também estão presentes no Led Zeppelin IV, aludindo aos seus integrantes e a antigos mistérios. A triquetra, por exemplo, faz uma evocação às faces do sagrado feminino, reverenciado entre muitos povos. Na Wicca, nome contemporâneo dado a um determinado grupo neopagão, em que a prática da bruxaria é desenvolvida, a triquetra representa a donzela, a mãe e a anciã – as três manifestações da Deusa.

Outro símbolo – o de três círculos entrelaçados entre si – também carrega uma alusão trinitária. E a pena, que representa o vocalista, Robert Plant, é uma alusão à Maat, antiga divindade egípcia, patrona da justiça, da liberdade e da lealdade. Nota-se que o círculo – insígnia do infinito e da vida eterna – é onipresente em todos os símbolos que representam os membros do Led Zeppelin.

Apesar dessa riqueza semiótica evocada por esses sinais, o grande protagonista da arte gráfica da parte interna do disco é o Eremita, um dos arcanos maiores do Tarô. Até mesmo a imagem frontal – o camponês carregando um feixe – alude à solidão expressa na carta. A curiosa figura, coberta por um manto e tendo como companhia apenas um cajado e uma lamparina, representa a eterna busca do homem pelo autoconhecimento. Esse poder encantador dos símbolos é reforçado, também, pelas letras das canções do disco.

Stairway To Heaven, por exemplo, é um capítulo à parte. Somente uma análise de sua letra renderia páginas e páginas de um texto inspirador, pois são vários os elementos místicos e esotéricos que permeiam essa fascinante composição. Por ora, basta dizer que Led Zeppelin IV, com todo o seu repositório de emblemas, letras poéticas e mistérios, é uma escada mágica que nos conduz ao Paraíso.

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