“The Scientist”, de Coldplay, e os amores que ultrapassam a morte
A
madrugada já vai alta. Da janela do quarto, posso ver uma lua sonolenta e
sempre encantadora. E é sob esse símbolo milenar dos apaixonados que este texto
tem o seu limiar. Também sobre amantes – e igualmente encantadora – é a canção
que ressoa e embala o autor destas linhas: The
Scientist, da banda de rock alternativo Coldplay.
Embora
esteja predominantemente imersa numa temática abordada corriqueiramente pela
música – o amor –, a letra, concebida pelo grupo norte-americano, alude à outra
situação recorrente nas produções artísticas: a separação dos amantes pela
morte de um deles.
Segundo volume da Trilogia das Sombras. Abbey, a protagonista, também vive um amor fantasmagórico. |
O
verdadeiro cientista, na canção, é aquele que tem capacidades alquímicas e
cabalísticas – que sabe ler e decodificar números e figuras para trazer a
pessoa amada de volta. Inclusive, esse poder transformador fica evidente na
evocação de um símbolo clássico da alquimia, o dragão que persegue a própria
cauda. Em versos como “Correndo em círculos” e “Oh, e eu corro para o começo”,
tem-se uma referência à eternidade (círculos não têm início ou fim) e até
possivelmente à reencarnação e à comunicação com os mortos (“Volte e me
assombre”).
No Tarô Mitológico, o Três de Copas simboliza a união de mundos distintos - terreno e espiritual. |
No
já citado romance de Emily Brontë, identifica-se exatamente o mesmo clima propalado
pela canção: Heathcliff pede para que Catherine retorne do Além e o perturbe. A
dramaturgia televisiva já se enveredou diversas vezes por esse caminho – sempre
com sucesso. Alma Gêmea (2005), A Viagem (1994), Escrito nas Estrelas (2010) e a excelente Além do Tempo (2015) são alguns exemplos notórios de tramas sobre
amores que transcendem a morte. O arcaico Ghost,
do outro lado da vidas se encarrega de apresentar a relação
amor-espiritualidade-transcendência-retorno no cinema.
A
abominada (pela crítica mais conservadora) literatura para adolescentes contemporâneos também recorre sempre aos enredos dessa
natureza. Contudo, as obras que estabelecem de forma ainda mais nítida essa
relação são a série Fallen, de Lauren
Kate, e a Trilogia das Sombras, de
Jessica Verday. Ao longo de todo o texto, Kate apresenta a separação de Luce e
Daniel pelas sucessivas vidas – e seus eternos reencontros. Na Trilogia das Sombras, Abbey, a
protagonista, apaixona-se por Caspian, um fantasma, ou melhor, uma sombra.
Como se isso não fosse suficiente para tornar o livro gótico, os capítulos são
todos laureados por epígrafes extraídas do clássico A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, de Washigton Ivring.
A
alusão à morte está igualmente presente no videoclipe da canção The Scientist. Nele, a namorada do
vocalista parte após um acidente de carro. Inclusive, essa partida para o Além é
narrada de forma inversa. O vídeo inteiro segue uma cronologia descomunal. As
ações, como a letra sugere, rumam-se ao começo, ao limiar da jornada. Assim, ao
voltar para a estrada serena, os amantes ainda estão felizes. Inevitavelmente,
isso nos remete, mais uma vez, à literatura – o homem sempre desejou voltar ao
início (o temido livro do Apocalipse,
por exemplo, termina com o retorno ao Paraíso).
Grafado entre duas linhas infinitas, o título sintetiza a trama de Elizabeth Jhin: um amor que ultrapassa a morte. |
Infelizmente,
os cientistas ainda não podem nos proporcionar viagens no tempo ou a volta ao
princípio (H. G. Wells e David Fincher sonharam tanto com isso). Coldplay tem
razão. De fato, a ciência, o progresso e a razão ainda não falam mais alto que
o coração. Enquanto esse prodígio não se realiza, continuemos clamando para que
aqueles que amamos voltem e nos assombrem.
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