A simbologia que se esconde no “Outro Lado do Paraíso”

Críticos de televisão afirmam que a qualidade de uma telenovela só pode ser medida depois da segunda semana de exibição da trama. O motivo: é a partir desse momento que a produção entra na rotina e, em meio à agilidade do dia a dia, mostra – ou não – a que veio. Embora pareça precipitado da minha parte, acredito que O Outro Lado do Paraíso seja uma dessas histórias fortes, emocionantes e sedutoras.
Nas pinturas de Waterhouse, a relação da mulher
com a natureza é recorrente.

Suceder o texto magistral de Glória Perez pode não ser fácil. Mas Walcyr Carrasco, outro autor de grande competência (basta observar Alma Gêmea, Amor à Vida e Êta Mundo Bom), decidiu utilizar o mesmo recurso de sua colega – adornar a trama com diversos elementos simbólicos e literários.

Com uma esmerada estética cinematográfica – já explorada em Verdades Secretas –, o capítulo de estreia foi marcado pela relação telúrica dos personagens. Seja quem trabalha na colheita do capim dourado – a cena de Clara (Bianca Bin) dançando no campo foi belíssima, um legítimo Beltane, festa primaveril entre os celtas – ou aqueles que ambicionam a fortuna trazida pelas esmeraldas, ocultas nos grotões da terra. Para reforçar a ligação com a natureza, uma artesã declara: “O capim dourado é tudo pra gente!”.

Os mocinhos, Clara e Renato (Rafael Cardoso), inclusive, se entreolham por meio de uma mandala feita desse vegetal – representação do cosmos e do ser humano, que, segundo Jung, simboliza a luta pela totalidade. De fato, já nesse preâmbulo de narrativa, identificamos o Bem e o Mal devidamente separados pelas famílias: uma nos alude às famílias pobres dos romances regionalistas e a outra é composto por vigaristas – ecos do clã Thénardier, de Os Miseráveis, livro de Victor Hugo profundamente admirado por Walcyr Carrasco.

Personagens na plantação de capim dourado.
A relação com a terra é evidente. Foto: reprodução.
Outro núcleo familiar tempestuoso é aquele em que a personagem de Glória Pires está inserida. A vida tranquila, o marasmo e a ausência constante do marido nos fazem enxergar um quê de Madame Bovary. Contudo, a sinopse prevê que Elizabeth viverá um entrecho já explorado por Shakespeare (em Contos de Inverno) e que sustenta a nossa dramaturgia há milênios – a falsa morte.

O cunho misterioso e escatológico também está presente na trama de Mercedes (interpretada pela veterana e sempre irretocável Fernanda Montenegro). Mística, médium e profetisa, a personagem – já nas chamadas – desponta como uma narradora. Sua fé – imbricada – mistura catolicismo (o rosário e a imagem de Nossa Senhora), protestantismo (a crença iminente no fim do mundo), espiritismo (as vozes do Além) e até mesmo credos totêmicos e ancestrais (sim, as esculturas antropomórficas em seu quintal). Pelos olhos de Mercedes, o público descobrirá os segredos, a magia e as belezas que se ocultam no Outro Lado do Paraíso...


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