"O Livro da Bruxa", o livro dos sábios

A Maicon, por ter me apresentado essa obra magnífica numa tarde de domingo.



Ter um primo bibliófilo é um privilégio de poucos. É muito raro encontrar alguém em reuniões familiares para discutir autores, enredos, estilos e personagens. E foi numa dessas reuniões de família, ou melhor, um pouco depois, que conheci uma obra que mudaria radicalmente minha vida. Confesso que não tive tanta expectativa ao tocar naquela lombada fina e soterrada por enciclopédias. Mas o nome da obra e o símbolo contido na capa soavam esotéricos e místicos. E foi isso que me encantou, nesse primeiro momento, em O Livro da Bruxa.

O símbolo impresso na capa da obra
significa equilíbrio e estabilidade.
 
Contudo, era hora de ir embora. A tarde já findava quando cheguei a minha casa. Foi só o tempo de um banho e um café. Devorei O Livro da Bruxa noite adentro. E só parei ao terminar de lê-lo. A partir daquela mesma noite, a obra de Roberto Lopes seria constante em minhas conversas – tanto com pessoas conhecidas quanto desconhecidas. De fato, até hoje, não escondo meu fascínio por esse pequeno e grande livro.

Sem prefácios e descrições demasiadas, o livro mostra, desde a primeira página, a que veio. Sempre acreditei em bruxas. É este o preâmbulo simples e arrebatador desse texto vigoroso e tão profundo. O verbo em primeira pessoa do singular nos reporta ao narrador-personagem  que conheceremos a seguir – um médico que conhece uma paciente cuja sapiência e capacidade de argumentação são inquestionáveis.

A frágil – aparentemente, e vamos frisar bem esse aparentemente – senhora de 80 anos se revela mais que uma enferma com pneumonia. Ela começa a apresentar detalhes curiosos da vida de seu pupilo. Sim, a partir daquele contato inicial, os dois – médico e senhora – começam a ter uma relação de amizade e proteção.

No Tarô de Marselha, O Mago
incorpora arquetipicamente a mesma
 característica da personagem do
 livro - a capacidade de transformar
 e moldar o mundo à sua volta.
Revelando- se uma bruxa, a personagem deixa o rapaz atônito, mas ao contrário do que ele pensa inicialmente, sua guardiã não usa chapéus, vassouras e caldeirões – seus poderes alquímicos e transformadores estão em suas mãos, em seu coração, em seus olhos. O prisma pelo qual a senhora enxerga a vida é inédito. Das situações mais corriqueiras da vida – um atraso, um lanche, uma conversa à beira-mar –, a bruxa revela seus dons e sua magia.

 São essas atitudes que nos prendem do início ao fim do livro. Ficamos curiosos para saber qual será a sua próxima lição – mágica – extraída do cotidiano. Sem se esquivar de nenhum assunto e sem grandes viradas no enredo, Roberto Lopes tece uma narrativa que reflete sobre mulheres (são deusas!), casamento (o modelo tradicional precisa ser repensado!) e até atrasos por conta de engarrafamentos (é uma ação prudente do seu anjo da guarda!).

Tudo isso – somado a um texto bem escrito e bem conduzido – faz com que O Livro da Bruxa tenha se tornado minha referência para aconselhar amigos. O maior ensinamento que essas simpáticas personagens me deixaram é que há dois lados para qualquer situação. E que tudo o que acontece de, aparentemente, ruim serve para nos ajudar a refletir sobre nossas atitudes e sobre os rumos da vida. Portanto, da próxima vez que encontrar uma semente numa salada de frutas, não reclame. É só o Universo dizendo que aquela sobremesa é resultado de um processo árduo de trabalho. É só a vida dizendo que é hora de agradecer às mãos que cultivaram, colheram e trouxeram o alimento à sua mesa. É só o momento de plantar essa semente e recomeçar a jornada.


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