“A Moça Tecelã” e “A Tapeçaria de Aracne”: tecendo diálogos entre o mito grego e o conto de Marina Colasanti
Uma
ideia toda azul. Este foi o primeiro livro de Marina Colasanti
que li, na infância. Recordo-me da estrutura do livro (contos), das ilustrações
(em preto e branco) e dos personagens que enchiam as páginas (princesas e
unicórnios). Descobri posteriormente que essa escritora tinha profundo apreço
pela Idade Média e por outros momentos históricos longínquos. Esses tempos,
inclusive, aparecem em Doze Reis e a Moça
no Labirinto do Vento, obra que abriga originalmente o seu (a meu ver)
melhor conto – A Moça Tecelã.
Aracne, de Veronés. A personagem se tornou uma eterna praticante da arte de tecer - uma aranha. |
Menos otimista – mas igualmente encantador – é o antiquíssimo
mito grego A Tapeçaria de Aracne. Narrada
por Ovídio, no seu livro As Metamorfoses,
a história segue um mote bastante corriqueiro nas lendas da Grécia Antiga – uma
mortal que desafia os deuses e é transformada em outro ser. Nesse relato
mitológico, a divindade ofendida da vez é Palas, representante máxima da
sabedoria. Ao ser confrontada por Aracne, uma jovem hábil nos fios e nas
tramas, a deusa castiga a jovem – transforma-a numa aranha (é do nome da
personagem que vem a raiz etimológica do termo aracnídeos).
A Roda da Fortuna no Tarô Mitológico é ilustrada com as Moiras, as tecelãs dos fios que regem a vida humana. |
Ambas as protagonistas também são profundamente habilidosas
na arte de tecer – e seus teares sempre contam histórias e sempre moldam os fenômenos naturais. Enquanto tece, Aracne
tem a natureza (personificada pelas ninfas do bosques e dos rios que
acompanhavam o seu trabalho) se dobrando diante de seus fios graciosos;
enquanto tece, a moça tecelã também faz a natureza se prostrar sobre o tear. Aliás,
noite e dia, chuva e sol, luz e escuridão – tudo só existe pelos emaranhados
encantados da suas mãos.
De certa forma, as duas também foram condenadas a viver
tecendo eternamente – no conto de Marina Colasanti, a moça tece para que o
universo funcione perfeitamente, para que haja ciclos e estações. No mito
grego, Aracne tece eternamente seus fios incomparáveis para que sua espécie
sobreviva – uma alusão à catarse, pois aranhas, pelas prescrições da deusa,
nunca deveriam tocar o chão.
De fato, os textos (tecidos) literários nos mantêm
suspensos, sonhadores e eternamente devotados a essa arte. Afinal, parafraseando
Marina Colasanti, tecer (escrever) é tudo que fazemos. Tecer é tudo o que
queremos fazer. Sigamos encantados pelos fios mágicos da ficção.
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