É sagrado viver (e ler): a boa literatura do padre Fábio de Melo

Capa de uma recente edição de
Quem me roubou de mim,
 um dos livros mais vendidos
do padre Fábio de Melo.
Cantor, compositor, apresentador, filósofo, teólogo, padre. Muitos são os predicados de Fábio de Melo. A sua face de escritor, contudo, é aquela que mais me agrada. Suas empreitadas literárias, ao longo dos anos, renderam ótimos títulos – que arrebatam pessoas de diversos credos – e constituem um agradável diálogo com as nossas almas. E entre almas. Seus livros já me conduziram a várias conversas. Não é raro aparecer alguma boa senhora para dizer o quanto aquela obra que estou lendo já lhe fez bem. Numa recente ocasião, uma simpática mulher (não sei se de aço ou de flores) sentou-se ao meu lado num ônibus e, ao ver a capa de Orfandades em minhas mãos, revelou-me que um genro seu fora curado de uma depressão pelas doces e reflexivas palavras dessa antologia.  

Orfandades é, de fato, fascinante e libertador. Em breves textos fictícios, Fábio de Melo nos apresenta personagens bem construídos e enredos, às vezes, melancólicos – afinal, lidar com a morte é sempre uma experiência triste –, mas que guardam fagulhas de esperança. A Dama do Açude é um exemplo notório disso. Narrado por um homem que vê sua família ruir – após a morte de sua irmã –, o conto apresenta uma história trágica e misteriosa. O texto, inclusive, começa a assumir ares fantasmagóricos. É então que o padre – sutilmente – nos conduz à doutrina cristã e nos apresenta um prenúncio da ressurreição, por meio da jovem que morre afogada e que dá nome à história.

Aliás, diluir conceitos cristãos em sua literatura é uma habilidade magistral do padre Fábio de Melo. Sem soarem panfletários ou moralizantes, seus livros apresentam, além de textos muito bem escritos, dilemas comuns a todos os seres humanos – tudo isso causa empatia e aproxima ainda mais os leitores (católicos ou não). Quando o sofrimento bater à sua porta, Quem me roubou de mim e Cartas entre amigos (os dois volumes) são exemplos nítidos dessa capacidade de abordar temas nevrálgicos da nossa época com segurança e sensibilidade.

De escritor a personagem: Fábio de Melo
é o grande tema da extensa
e primorosa biografia escrita
 por Rodrigo Alvarez.
O ponto-chave de seus livros é exatamente a linguagem sensível, que nos faz degustar palavra após palavra, período após período, parágrafo após parágrafo. Suas frases são leves, delicadas e incisivas – como é o caso de O Discípulo da Madrugada. Por meio dele, somos transportados à Jerusalém dos tempos da crucificação de Jesus Cristo (uma descrição rica, sublime e poética, que, com maestria, reconstitui os cenários apresentados nos evangelhos). É exatamente sobre as experiências dos dias que antecedem esse grande ponto de virada do cristianismo que trata a história – um judeu encontra-se com Jesus e tem sua vida transformada pelos ensinamentos do Filho de Deus.

Tempo de Esperas, o itinerário de um florescer humano também versa sobre preceitos e reflexões. Um jovem aspirante a professor universitário e um mestre aposentado trocam cartas (Fábio de Melo parece gostar bastante do gênero epistolar) e fazem profícuas ponderações sobre a vida.

Ao transitar – com segurança – por múltiplos cenários, contextos históricos e gêneros textuais, Fábio de Melo revela seu olhar simples e profundo. Traz o sagrado para perto do cotidiano. Aproxima o que parece muito longínquo. Mostra o cristianismo por um prisma compreensível e até palpável. Por isso, ler os escritos do mais conhecido padre de Formiga (MG) é se sentir pleno, etéreo, transcendente. É se sentir divino. É se sentir humano demais.



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