“Entre Irmãs”, uma história bem costurada com as linhas da mitologia e da literatura

A Maicon, que finalmente se rendeu aos fios encantados da nossa dramaturgia.


Como as Moiras da mitologia, as personagens de Entre Irmãs
vivem entre linhas, agulhas e destinos. Foto: reprodução.
No último texto deste blog, pedi que seguíssemos deslumbrados pelos novelos mágicos da ficção. Coincidentemente, não demorou muito para que a televisão ouvisse meu desejo e me surpreendesse com uma produção dramatúrgica de excelente qualidade – a minissérie Entre Irmãs, cujo roteiro foi escrito por Patrícia Andrade. Híbrido de linguagens – cinema e TV –, o produto arrebatou o público, já nesse limiar de 2018, para o sertão de Pernambuco, onde conhecemos Sophia (Cyria Coentro) e suas pupilas: as sobrinhas órfãs Emília (Marjorie Estiano) e Luzia (Nanda Costa). Essas personagens conduzem a narrativa e nos levam ao encontro de numerosas referências literárias e mitológicas.

Suas vidas de fiandeiras muito evocam as Moiras, as três tecelãs do destino na mitologia grega. Entre tecidos e costuras, Luzia e Emília vão sonhando com o futuro. A primeira quer continuar vivendo ali mesmo. A outra pretende conhecer o amor e partir para a capital.

Luzia, contudo, tem seus planos interrompidos por Carcará (Júlio Machado) e seu bando. O líder dos cangaceiros chega à localidade e, após obrigar as mulheres a costurarem para ele, decide levar a moça. A cena de Emília gritando pela partida da irmã nos reporta ao mesmo mote de As duas órfãs, clássico irretocável da literatura francesa. A cena também desponta como uma alusão ao mito de Perséfone, que é raptada por Hades, deixando a mãe, Deméter, desolada e de luto (a cena em que Sophia afirma que só usará preto não é mera coincidência).

Todavia, assim como a filha da soberana da fertilidade, Luzia descobre o amor nos braços de seu sequestrador – e até se torna condutora do bando quando seu consorte morre.

Separadas por muito tempo, as duas vão se emocionando pelas páginas dos jornais, que são porta-vozes de suas vidas. Simultaneamente, Luzia tem notícias de uma dama importante, sua irmã, Emília, que, por sua vez, vai acompanhando a saga da mulher cangaceira.

De Luca Giordano, a tela O Rapto de Perséfone
 ilustra um momento semelhante àquele vivido por Luzia.
Enquanto Luzia lida com armas e desafios do sertão, Emília se depara com os dilemas de sua nova família – Degas (Rômulo Estrela), seu marido, é homossexual e vive um romance às escondidas com Felipe (Gabriel Stauffer). No baile de máscaras, alusão das mais fidedignas ao carnaval, temos o beijo apaixonado dos dois (que nos leva ao encontro de muitos e muitos textos da literatura grega). Ainda nesse sentido, vemos a personagem de Letícia Colin despontando como Safo, apresentando Emília às novas possibilidades de amar.

Sim, a minissérie fala de amor. Amor ao diferente. Amor aos sonhos. Amor à vida. Como se saíssem das páginas dos romances de José Lins do Rego, de Jorge Amado, de Raquel de Queiroz, de Graciliano Ramos ou de uma pintura de Portinari, as personagens são retirantes em busca de alegria e de encontros com o novo e com os sonhos. Sonhos compartilhados entre as paredes da casa de tia Sophia. Entre as folhas da mangueira. Sonhos e dilemas compartilhados entre corações que se amam. Entre distâncias. Entre desejos. Entre irmãs.


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