Insônia, pólvora, chumbo e sexo, os ingredientes da literatura subversiva de Tico Santa Cruz
Há um
corriqueiro e desgastado adágio que afirma a necessidade de não se julgar um
livro pela capa. Confesso que, normalmente, contrario essa máxima e me deixo levar
pela aparência de uma obra. A beleza de uma ilustração, a disposição de fontes
tipográficas e uma boa sinopse são o ponto de partida para que eu seja
arrebatado. Essas características, inclusive, foram fundamentais para que eu
ficasse fascinado por Clube da Insônia
– livro do músico Tico Santa Cruz.
Publicado pela Belas Letras, o livro propõe um mergulho na escuridão. |
Oriundo
do blog homônimo, mantido desde 2004, a obra reúne ensaios – e vários outros
gêneros – sobre política, questões existenciais e confissões, muitas confissões
e angústias do autor. Ler esse livro é, como prenuncia a sinopse, mergulhar nas
sombras e na escuridão da madrugada – com todos os seus vultos, fantasmas e
insanidades. Senti-me profundamente acolhido pela proposta: vivo refletindo e
escrevendo noite adentro.
A capa
dessa publicação também reforça o cunho filosófico dos textos ali recolhidos: a bela figura de um pensador - que funde traços humanos e animalescos numa única
imagem. Essa escolha gráfica não é à toa, ela indica a ambiguidade de alguns
trechos e a relação voluptuosa e polêmica que Santa Cruz tem com a sociedade.
Entretanto,
o maior expoente dessa verve literária lancinante é o romance Pólvora, Chumbo e Sexo – sua estreia na
ficção. O título sintetiza bem o enredo da obra: um rapaz viaja com sua
namorada, a depravada Lore, e ambos se entregam a uma sucessão de crimes, assassinatos
e muito, muito sexo (algo também explorado em Tesão, antologia de contos e poemas eróticos do mesmo autor). Todas essas situações são minuciosamente descritas e
exploradas ao máximo – algo que achei, por muitas vezes, desnecessário e até
repugnante (a sequência da mutilação durante uma relação sexual e os detalhes
das incursões do protagonista ao banheiro são exemplos nítidos).
A obra é classificada pelo próprio autor como "o livro proibido". |
Mas
perscrutar a intimidade de um casal – com todas as suas transgressões,
distorções morais e viagens alucinantes proporcionadas pelas drogas – também
pode ser interessante, sobretudo quando a trama é narrada em primeira pessoa,
recurso que, a meu ver, torna os personagens mais familiares e as histórias
mais verossímeis. Por isso, devorei Pólvora,
Chumbo e Sexo em apenas um dia.
Durante a leitura, pude imaginar sopros de inspiração vindos dos grandes casos de sequestros transmitidos pela mídia. Identifiquei vestígios de Psicose, de Robert Bloch (o homicídio no hotel e a oscilação de caráter do narrador), e contemplei o itinerário de jovens inconsequentes. De certa forma, todos aqueles que se uniram a eles buscavam a realização e o prazer. Nessa jornada, até mesmo a espiritualidade foi almejada (o ritual na mata e o guru) – sempre de modo rebelde e intenso.
Excesso
de pólvora à parte, Tico Santa Cruz conseguiu me tirar da minha zona de
conforto. Por meio de um estilo com o qual eu não estava acostumado, aprendi a identificar
almas perdidas (no Clube) e corpos perdidos
(em Pólvora, Chumbo e Sexo). Acima de
tudo, descobri desejos, angústias e medos que me tornam tão subversivo quanto aqueles
personagens – talvez por isso o espanto... e a insônia.
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