"Espelho da Vida" inova usando elementos clássicos do folhetim

       A
companho o trabalho de Elizabeth Jhin desde 2002, quando ela foi colaboradora em O Beijo do Vampiro, de Antônio Calmon. Seguindo um caminho muito natural no meio televisivo, a mineira de Belo Horizonte deixou, em 2004, de cooperar com grandes nomes do gênero para se tornar autora principal. De lá para cá, tivemos as não tão lembradas Começar de Novo (escrita em parceria com Calmon) e Eterna Magia; mas também acompanhamos o sucesso de Escrito nas EstrelasAmor Eterno Amor e Além do Tempo. Na noite de ontem (25), Jhin levou ao ar o primeiro capítulo de sua mais nova produção – Espelho da Vida –, que, acredito eu, está fadada a figurar no rol de obras bem-sucedidas.

Alinne Moraes, João Vicente de Castro e Vitória Strada,
os protagonistas de Espelho da Vida. Foto: Observatório da TV.
Sagaz, a autora já abriu a novela com uma cena de ação, extraída do filme de Alain (João Vicente de Castro). Após essa sequência, ele ganhou o prêmio “Melhores do Ano do Cinema”. Como divulgado na imprensa, o personagem é um diretor de cinema e TV – profissão essencial para que o enredo da história se desenrole. Ainda durante a premiação, Alain fica sabendo que Vicente (Reginaldo Faria) está à beira da morte (sua citação a Fernando Pessoa foi linda!) e deseja revê-lo para lhe dar a seguinte incumbência: produzir um filme sobre a vida de Julia Castelo. Mas, apesar de amar o avô, o rapaz não tem vontade alguma de voltar à Rosa Branca, cidade fictícia de Minas Gerais, de onde partiu há mais de 10 anos, após descobrir uma traição de Isabel (Alinne Moraes), sua ex-namorada.
Cris Valência (a bela Vitória Strada) é a responsável por convencer Alain a retornar ao local. Atriz de teatro, ela vive com o cineasta e, a seu pedido, protagonizará, como veremos mais adiante, o filme sobre a vida e a morte passional de Julia Castelo – personagem que a jovem descobrirá, no decorrer da trama, ter sido ela mesma em outra encarnação. Na última cena do capítulo de ontem, ela já deu indícios de que reconhece a cidade e seus edifícios. Encantada pelo local, seu rosto foi transformado na imagem de um medalhão, antes de os créditos subirem.
Vitória Strada enfrenta o desafio de interpretar praticamente três personagens ao mesmo tempo. Ela vive Cris, Julia nos sonhos e será, ainda, Julia no filme dirigido por seu namorado. Na prévia da noite passada, já nos foram apresentadas as duas primeiras, numa atuação comedida e segura (sua escalação para protagonista não foi à toa, basta lembrarmos de Tempo de Amar). Destaco ainda o desempenho de Alinne Moraes, com sua Isabel, que em nada se assemelha aos seus trabalhos mais recentes: a mocinha Lívia, em Além do Tempo, e Diana, em Rocky Story. Ou seja, duas atrizes do mesmo cacife. Irene Ravache também deixou para trás o olhar tétrico da altiva condessa Vitória Castellini (seu papel na última trama de Elizabeth Jhin) e mergulhou na doçura e simpatia de Margot, atual esposa do avô de Alain, personagem de Reginaldo Faria. Margot é irmã de Gentil, vivida pela minha atriz brasileira preferida – a talentosa Ana Lúcia Torre, recém-saída de O Outro Lado do Paraíso. Dessa vez, ela é uma mulher mal-humorada e levemente cômica – uma atuação que dispensa comentários.
Essas personagens transitam num enredo que o espectador possivelmente, usando um trocadilho inevitável, já teve a sensação de ter visto. De fato, Jhin tanto dilui o tema das vidas passadas – recorrente em suas obras anteriores – quanto se inspira em novelas de outros autores. O nome da cidade e a agitação movida pelas gravações guardam ecos de Roque Santeiro, de Dias Gomes e Aguinaldo Silva. A estrutura metalinguística me reporta a uma produção que, curiosamente, também tem “espelho” no título – Espelho Mágico, escrita por Lauro César Muniz, na já longínqua década de 70. Como na história de Muniz, creio que Jhin utilizará os conflitos envolvendo atores das produções fictícias e seus respectivos personagens para criar maiores possibilidades de gancho. Nas imagens divulgadas antes da estreia, Julia terá viagens diante de sua imagem refletida – vejo aí também uma alusão oblíqua a Alice no País dos Espelhos, de Lewis Carroll.

Julia Castelo (Vitória Strada) aparece como
uma figura etérea e misteriosa para Cris Valência
 (também interpretada por Vitória Strada).
Foto: Feira Cultural.
Apesar da temática sobrenatural, muitas situações são verossímeis. O olhar de Isabel para a caixinha de música evoca nostalgia e interesse em reconquistar Alain, algo perfeitamente aceitável dentro da diegese da novela – e fora dela também. Quem, afinal, não teria interesse em reviver uma paixão com alguém que está bem-sucedido e é o pai de sua única filha? O envolvimento de Cris e Alain também é plausível – pois ambos pertencem ao mundo das artes cênicas. O plot do triângulo amoroso sustenta a nossa dramaturgia há milênios. Mas a autora o desenvolve de outra forma. Todas as motivações ali são válidas.
A mãe da vilã, Ediméia, vivida por Patrycia Travassos, é bem mística e assume a função de uma espécie de guru – algo também notório nas histórias escritas por Elizabeth Jhin. Desde Eterna Magia, cujo mote era a bruxaria, a autora vem criando videntes, cartomantes, anjos e sensitivas para auxiliarem as personagens em sua evolução – isso, certamente, confere uma dose de graça e leveza a mais para as tramas.
Outro primor à parte é a abertura. Brincando com as simetrias e os elementos mais recorrentes da história – o relógio, o espelho e os cavalos brancos –, cria-se um caleidoscópio, que simboliza os múltiplos tempos da narrativa. Sobre essas imagens, Rita Lee canta Minha Vida, música que parece ter sido feita sob encomenda para a novela (Tem lugares que me lembram/Minha vida, por onde andei/As histórias, os caminhos/O destino que eu mudei/Cenas do meu filme em branco e preto/Que o vento levou e o tempo traz). O jogo dos ângulos, que refletem e complementam as imagens clássicas são harmônicos e românticos. Romantismo este que também está impregnado nas cenas – em breve, Cris receberá o diário de Julia Castelo (já vejo segredos escritos ali), ganhará um camafeu (medalhão), conhecerá o casarão e vai se deparar com antigos moradores, que, de certa forma, reconhecem-na como a reencarnação da jovem assassinada na década de 1930.
O início foi promissor, sem pressa para apresentar quem é quem, sem diálogos didáticos e sem situações forçadas. Agora resta aguardar os próximos conflitos que serão refletidos na tela da TV. Afinal, é para isso que serve a arte de contar histórias, para propor reflexão e entretenimento. Serve para nos transportar para outra dimensão, para nos fazer pensar sobre quem somos e como nossas ações vão refletir no nosso futuro. A boa ficção sempre servirá como uma representação mais poética e instigante do mundo real. Por isso, torço para que essa telenovela seja sempre ("Always, always", como canta Gavin James para o casal protagonista) esse belo, romântico e emocionante espelho da vida.  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"O pequeno príncipe" e as metáforas bíblicas da morte

“Clarisse”, a mais bela apologia à dor feita pelo rock nacional

Há 12 anos terminava "Alma Gêmea", um sublime mosaico de símbolos espiritualistas